Por que uma prostituta aparece no título da novela de Ipanema? Aliás, da novela que pretende abordar a verdadeira história de Ipanema. Aquela que só os gatos sabem contar. Só eles, quietos como são, testemunharam as ocorrências das casas de três bruxas solitárias. Duas delas trouxeram a guerra fria pós-45 para o bairro, determinando e fazendo cessar o mau cheiro da lagoa Rodrigo de Freitas, como arma no combate ideológico por entre a Ipanema dos pobres e a Ipanema dos ricos. Tudo se passa ao som da crônica de uma agradável e pacata região praieira, cujo doce balanço das ondas do mar, entre um chopinho e outro, fez surgir a bossa nova. As artes das bruxas a tornam mais cosmopolita. Isto lhe acentuou a violência?±A terceira bruxa prevê a salvação do esperado terceiro milênio: virá do nascimento de um novo Avatar. Ela, já no caminho do comportamento "hippie" dos anos 60, encontra-se voltada aos orientalismos e misticismos diversos, não esquecendo das revoluções feministas e transformações dos costumes. O mundo de embates ideológicos extremados e manifestações de busca por novos rumos transformadores para a Humanidade é simbolizado nos poucos quarteirões do bairro de Ipanema. Mas, isto tudo não pode ser dito assim de um fôlego, para ser bem compreendido. Há de se ouvir o testemunho dos gatos, em sua mansidão do andar e miar, que em si já é bossa nova, e já lembra a agradável brisa a arrefecer o calor, entre o Jardim de Alá e as pedras do Arpoador, o mar e a lagoa. Mesmo porque, como lembra o título, em meio à carga simbólica da História do bairro, que nos faz lembrar as transformações de toda a segunda metade do século XX, houve, ao que parece, importantes "souvenirs". E de quem? De uma prostituta? Eles também são simbólicos? O que transformaram? As profecias da bruxa "pré-hippie" se cumpriram? Ou foram as bruxas politizadas pelas esquerdas e direitas, e que então se engalfinhavam, que trouxeram a realidade a nos cercar no bairro, na cidade, no país, em todo mundo do século XXI? Como lembra a personagem que narra a novela, é preciso conhecer as mínimas nuanças que nos formaram para compreender nossa contemporaneidade. Para isto não há testemunho melhor que dos gatos, distantes observadores dos desgastes emocionais humanos. Calados. Com seus olhos atentos.