Homem de teatro acima de tudo, ensaísta, autor de literatura infantil, pernambucano de quatro costados, impregnado dos valores, das rebeldias e das irreverências do Nordeste, Hermilo Borba Filho escreveu também uma fieira de contos saborosos, atrevidos, bocagianos, reunidos em três volumes. Histórias narradas numa linguagem de tirar o fôlego, em frases espichadas, uma cachoeira verbal ritmada pelas vírgulas, repleta de expressões do cotidiano, provérbios, versos, interjeições, trechos de cantigas, uma mistura harmoniosa em que ao popular se junta o clássico, numa espécie de contraponto, de fio de colar disciplinando eharmonizando o fluxo verbal. Mordazes e debochadas, apesar de baseadas em fatos reais, colhidos na tradição familiar ou entre amigos, as histórias curtas de Hermilo descambam com frequência para o fantástico, o absurdo, os exageros tão típicos do cordel, mas sem descartar a permanente nota de bom humor. O bom humor persiste até nos momentos de tragédia, como um toque de irreverência, criando um clima de patético, tal como ocorre nos contos O Palhaço e O General Está Pintando. Ou se introduzindo em momentos quase surreais, como em Lindalva e A Roupa. Em O Perfumista, o humor corre em paralelo ao clima de real e fantástico, enquanto em O Almirante, ele se mistura à crítica de costumes, em "uma obra-prima de narrativa em curta metragem", como observa Sílvio Roberto de Oliveira no prefácio Melhores Contos Hermilo Borba Filho. O humor, de certa forma, serve também para tornar menos dolorosos (talvez até mais pungentes, depende do ponto de vista) alguns aspectos de uma realidade áspera, dura, retratada por Hermilo, sempre preocupado em denunciar os excessos dos donos do mundo e os fardos do povo oprimido. Literatura de denúncia, por certo, mas redimida por um riso largo, amplo, rabelaisiano.