Será o coração ou o cérebro a sede do pensamento? Os ventrículos cerebrais lançam humores ou espíritos para os nervos? O córtex cerebral é apenas uma estrutura de revestimento? A procura de resposta a estas e outras perguntas perde-se nos séculos. Uma interpretação puramente filosófica da função nervosa, com ideias mágicas ou prodigiosas, foi dando lugar à sua avaliação à luz dos princípios das ciências naturais. A evolução das Neurociências confunde-se com a história das preocupações essenciais do Homem. Artistas renascentistas como Leonardo da Vinci ou Andreas Vesalius dissecaram o corpo humano para estudar a anatomia e os seus desenhos revelam já diversos pormenores neuroanatómicos. Admitido enfim o cérebrocentrismo da mente, outra controvérsia se iria prolongar até ao século XX. A visão holista da actividade do cérebro opôs-se ao conceito de localização das funções mentais. Deste localizacionismo surgiria o exagero frenologista, em que se acreditava ser possível identificar características individuais como o génio, o amor ao próximo, a vaidade ou até a tendência para o crime, pelo maior desenvolvimento de regiões do crânio e do encéfalo subjacente, onde essas qualidades se situariam. Durante décadas pesquisaram-se fervorosamente os componentes celulares do sistema nervoso na senda de uma explicação para o seu funcionamento normal e anómalo. Nos séculos XVIII e XIX, as experiências neurofisiológicas vieram ampliar os resultados da investigação microscópica. O famoso líder soviético Lenine foi, também ele, envolvido a título póstumo neste enorme interesse pelo substrato orgânico do pensamento. O seu cérebro, seccionado em milhares de lâminas, foi extensamente analisado ao microscópio, em busca das marcas celulares do seu génio. As convulsões sócio-políticas da Europa do século XX causaram um êxodo de neurocientistas para o Novo Mundo. O desenvolvimento tecnológico permitiu então progredir nos ambientes sub-celular e molecular do sistema nervoso, de forma a desvendar novos mecanismos de doença como as citopatias mitocondriais, as canalopatias, as taupatias ou as infecções a priões. Esta é uma história breve de vários séculos e de centenas de heróis que ao longo de gerações foram investigando os mais recônditos meandros do sistema nervoso, até conseguirem desmascarar as suas entidades patológicas como se de verdadeiros vilões se tratasse.