Enquanto o direito penal se ocupa de hipóteses mirabolantes e se delicia com termos em alemão, nada menos que 1.330 pessoas foram mortas pela polícia no ano de 2022, apenas no Estado do Rio de Janeiro. Dentre as que possuíam raça declarada, 87% eram negras. Cada uma dessas vidas, em sua plural diversidade de existência, ceifada por um poder punitivo extrajudicial desenfreado, no que Zaffaroni chamaria de massacre a conta-gotas. Não basta situar o problema em condutas individuais de agentes policiais. É preciso se debruçar sobre as condições estruturais que autorizam o massacre, incluindo, e talvez principalmente, o papel legitimante do sistema de justiça. Dos sagrados rituais que se desenrolam perante o Tribunal do Júri foi possível extrair pistas do modus operandi das agências judiciárias, em seu papel fundamental na (re)constituição do sujeito matável. Por detrás do discurso jurídico e das práticas processuais, a morte está sempre à espreita.