Nestes tempos em que os procedimentos concretistas integraram-se ao cânone, a poesia experimental tornou-se carne de vaca; ganhou em prestígio o que perdeu de potencial crítico. O verso morreu. É com tal ânimo que recebemos Parsona, de Adriano Scandolara, e ele vem como uma lufada de vento fresco ou uma bofetada na cara. Aqui, o experimentalismo não tem nada de inofensivo: de uma apropriação alegórica da lírica de Olavo Bilac em Via Láctea, na qual esta reluz como ruína, desponta uma provocação ambivalente, lâmina de dois gumes. Primeiro, temos a dessacralização do lirismo bacharelesco representado pelos sonetos bilaquianos, mas isto é pouco, é chutar cachorro morto. Percebe-se que tal dessacralização possui um caráter ambíguo, pois ao mesmo tempo que desconstrói atualiza, resgata e dá crédito. A ironia impiedosa é uma forma de levar a sério. Assim, a lâmina se volta contra o gosto literário contemporâneo que, formado a partir do consenso modernista, prescreve uma distância profilática do parnasianismo. Já no posfácio, a ironia toma por alvo os expedientes formais que constituem a medula do próprio livro, acusando a frivolidade e o convencionalismo que a literatura experimental assumiu nas últimas décadas. Parsona é a consciência de um impasse, que pode ser o fim da linha, mas também um novo caminho, aberto à força de uma reflexão crítica intransigente, que não recua diante de qualquer valor estabelecido. Emmanuel Santiago