Uma psicanálise pode marcar profundamente nossa maneira de pensar e falar do mundo em que vivemos. Esse livro, no qual Ana Gebrim se debruça sobre a questão do refúgio e dos refugiados, reflete exatamente isso, o posicionamento ético de uma analista perante o desprezo pelo humano que se reflete, em nossos dias, tanto na produção dos deslocamentos quanto na gestão desses sujeitos migrantes, vistos como estrangeiros indesejáveis nos países desenvolvidos. É fato, o refugiado se tornou a própria encarnação do homem sem direitos, visto que perdeu todos os seus atributos: nacionalidade, bens, documentos. A rejeição a eles se traduz, nos diz ela, em três grandes discursos: o do muro, o da indiferença e o da necropolítica, que ela se propõe a en­frentar a partir do lugar de uma analista na linha de frente, instalado na fronteira no instante do front, o que lhe permite tecer importantes considerações de como a escuta dos migrantes acaba interpelando as práticas clínicas de modo geral. Nesse lugar do front a autora se dispõe a se deixar afetar e acolher o trauma sem no entanto se deixar fascinar por ele, recusando-se a reduzir os sujeitos que acolhe e escuta a meras vítimas da História. Sua insistência em lutar contra o fascínio do horror materializado na vítima é um dado precioso, pois só assim se torna possível trabalhar na imediatez da urgência sem se deixar encerrar aí, sustentando modos de resistência e insistência do sujeito em seu desejo. Nesse sentido é um livro duplamente importante, teórica e clinicamente. No que diz respeito a esse ser de desejo do qual ela não abre mão, é só observar atentamente a prática dos refugiados para nos darmos conta de que, apesar dos pesares, é essa a história que eles também nos contam, ao atravessar fronteiras e derrubar muros em périplos cada vez mais ardilosos, apesar do enorme custo psíquico que tal movimento tem. Quando eles têm a sorte de encontrar um analista disposto a escutá-los