A escritura salva de um naufrágio. Que poderia ser salvo de um naufrágio, quando o que se perdeu foi um mundo e, com ele, a língua dos restos? No mar, no fundo do mar, deixamos tudo o que não tem lugar, diz a escrita de Ana Kiffer, e ali, no entanto, tudo fica. Em fragmentos despedaçados, em estilhaços, esses restos nos dizem, como queria Walter Benjamin, que nada do que tem acontecido alguma vez pode ser considerado perdido para a história. Nem para a escritura, acrescenta Ana. Isso porque a escritura de Ana Kiffer começa com uma contextualização contundente: Rio, 2017. É o presente, o momento atual, um momento de cataclismas e catástrofes; não se trata de um naufrágio individual, mas de um dilúvio, uma enchente produzida pela fúria do mar, o mar que toma tudo, diz Duras. Esse dilúvio, como o dilúvio universal, é um castigo. Neste caso, contra um povo que nunca conheceu de fato o diferente, que cerceou a diferença através de sucessivos massacres históricos, e que em castigo, [...]