Por que o romance? A pergunta que faz Marthe Robert [1914-1996] na abertura deste ensaio questiona a força obscura que leva os homens a contar histórias. A partir de um pequeno estudo de Sigmund Freud, "O romance familiar dos neuróticos" (1909), a autora agrupa o romance em dois ramos: em um deles, o herói romanesco é a Criança Perdida, que refaz o mundo a seu bel-prazer, no outro, é o Bastardo, que busca impor sua vontade ao mundo. Ela investiga, então, a recorrência desses temas em diversos autores e romances dos séculos XIX e XX e encontra a efetivação de cada um desses modelos em dois dos maiores romances da era moderna: Dom Quixote (1605), de Cervantes, representando o ramo da criança perdida, que se resolve na fantasia de um mundo imaginário, e Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, representando o romance do bastardo, que reconhece sua condição rebaixada e busca ascender à classe dos melhores, sejam aristocratas ou senhores de propriedades. Essencial à compreensão do herói romanesco conflituado entre os limites da experiência e a liberdade do devaneio, este ensaio é um marco nas pesquisas das relações entre literatura e vida.