Os primeiros textos de Alice Ruiz S que me chamaram a atenção já eram haikais. Eram traduções do poeta japonês Issa Kobayashi, mas acima de tudo soluções que me pareciam mais sintéticas que as originais. Por exemplo: vaga aqui / lume ali / o vaga-lume. Isso foi há mais de duas décadas. De lá para cá conheci melhor a pessoa, a letrista e a poeta incansável que extrai poesia até da página em branco: página / que não dá poema / dá pena. Alice vê o haikai como um exercício fundamental para que o poeta saia de si e se concentre no mundo. Menos reflexão e mais apreensão. Menos sentimento e mais observação. O decurso do tempo cede lugar à percepção instantânea e palpável, como se pode ver aqui mesmo: paineira na chegada / ainda mais florida / no dia da saída. Neste jardim de Alice as palavras precisam se despojar dos sentidos acumulados ao longo da História para refazer a experiência humana a partir de um olhar inédito. Surge então o diálogo direto com as crianças, seres que não fazem o menor esforço para dispor desse mesmo olhar. E nasce uma espécie de gramática do jardim. Flores, folhas e árvores são substantivos. Vento é verbo. Chuva também. São eles que mobilizam a cena: vento forte / sementes caem / folhas voam. Toda criança capta essas funções mesmo que não conheça seus nomes. Algumas vezes Alice expira para depois (se) inspirar. Primeiro, esvazia a imagem, reduz sua extensão (noite estrelada / atrás do portão / última flor), em seguida, recupera-as com toda plenitude e abrangência (manhã de primavera / para todas as flores / dia de estreia). Retira para depois adicionar. Forja a debilidade para mostrar o vigor. É também dessa respiração que vive a poesia. A matéria-prima deste livro não é a natureza. Tal palavra nem aparece nos poemas aqui transcritos. Sua vastidão impessoal seria abstrata demais para caber no haikai. O ponto de partida é o jardim, uma composição de elementos naturais emoldurada pela escrita da artista em perfeita sintonia com as ilustrações de Fê.