Em 1954 saía a primeira edição desta obra póstuma do clássico autor de Contos gauchescos e, Lendas do Sul. Outras ainda viriam - e virão. Mas é sobretudo neste Cancioneiro guasca que se revela o perfil de pesquisador, de etnógrafo, de sensível e alento homem de letras cujo ouvido e espírito se postam à escola da terra gaúcha. Simões Lopes Neto nutre-se, a cada linha que escreve, da história rio-grandense, não apenas do que rezam seus documentos, que Simões leu, curioso e zeloso, mas também do que os habitantes da solo gaudério, dos mais refinados aos mais bárbaros, foram capazes de dizer. Desta forma, a sua é uma obra que busca dar voz à voz coletiva da nossa gente, até então quase que ausente da literatura em tom maior, conquistando dignidade e grandeza artística para uma matéria e uma forma até então brutas e tratadas com arte inocente. Se em Terra gaúcha, recentemente reeditado, o historiador se faz presente, aqui no Cancioneiro temos a pesquisador dos temas folclóricos, dos motivos populares, o generoso e humilde coletor de forma e conteúdo retirados com absoluta fidelidade às origens bárbaras de um imaginário que se sabe primitivo. Assim, esta é uma literatura que não trai sua fonte. Simões Lopes Neto jamais assume ares superiores de força intelectual que trata com uma espécie de desprezo suas personagens e seu cenário. Legitimamente inserido em seu pampa natal, mergulhado até o fundo no rio de correntezas bravas e referências sem fim que a campanha lhe sopra, o autor de Casos do Romualdo dá conta de seu universo familiar com uma singeleza que antes garante-lhe acerto de forma do que distração do conteúdo. Cancioneiro guasca! é um inesquecível repositório do dizer poética popular gaúcho, seja em forma de quadras de letras de música, de cantigas de roda, de desafios afiados entre repentistas. Desse baú valioso de intensa musicalidade, de enorme poesia épica (nossa terra é construída por lutas), sopra uma carga ligeira que avança sobre nossas defesas. Não há leitor que resista.