Eu e Paula trocamos cartas de amor há anos. Com ela, descobri que uma mulher nunca escreve sozinha. Construímos uma relação a partir do pequeno gesto de bravura que é tirar um poema da gaveta de calcinhas. Aos poucos, fomos revelando, uma para outra, nossas palavras abafadas. Tirar do armário, pedir licença, ler em voz alta, descobrir que não é preciso pedir licença, ler de novo. Com Paula, descobri que todo encontro de palavras é singular, todo encontro de palavras é ritual. Em Cabra marcada para morrer, a singularidade desse encontro está nas palavras que carregam ideias de fogo e elas estão, sim, disponíveis para serem deslocadas conforme o manejo poético daquela que se aventurar. Onde é que a língua torce? Quem falou primeiro? Quem segura o lápis? Paula retorna ao gérmen das estruturas de opressão para encontrar em que ponto a engenharia patriarcal começa a se reproduzir. Em qual bifurcação perdemos a mulher? Qual foi o mito original que aprisionou a deusa? Qual foi a (...)