Ao entrar no quarto 320 naquela tarde de sábado de primavera, deparei-me com ele sentado na cama, debruçado sobre uma folha de papel, escrevendo. Disse-me que era uma poesia para o desconhecido do quarto ao lado, mas que ainda estava inacabada e que depois iria virar uma canção. Pedi para ler e emocionei-me. Ficamos calados por um tempão; às vezes, as palavras tornam-se desnecessárias, e o silêncio encarrega-se de traduzi-las. Mais tarde, quando enfim a terminou, mostrou-me e disse: Agora só falta arranjar alguém para entregá-la. Na manhã seguinte, bati à porta do desconhecido, e sua acompanhante a atendeu. Sorriu meio sem graça quando eu lhe disse o motivo do incômodo, e agradeceu. Era domingo bem cedo, um dia nublado e um pouco frio, atípico para aquela época do ano, mas mesmo assim estava ansiosa para sair à rua, ver a vida e juntar os cacos. Havia sido uma noite difícil sob vários aspectos. Olhando através do vidro do táxi, a igreja começava a ganhar contornos por trás da bruma da manhã, e a vida, inexplicavelmente, pareceu-me seguir seu curso normal. À tardinha, recebi uma mensagem do Fab pelo WhatApp que dizia: “Olha só o que acabei de receber, madrinha! Era um desenho que o Dear Unknown havia lhe enviado: uma guitarra alada.