Em boa hora reedita-se Estética e Política, coletânea de textos de Oswald de Andrade compilados e criteriosamente organizados pela professora Maria Eugenia Boaventura, a quem já devemos estudos decisivos sobre o escritor e uma biografia que é referência obrigatória de sua fortuna crítica. Trata-se aqui de edição revista e ampliada com o acréscimo de importantes novos textos, dentre os quais destacaríamos o comovente "As Minhas Memórias", no qual Oswald discorre acerca do primeiro volume de suas "Memórias" (infelizmente, o único publicado de um projeto literário mais amplo, interrompido pela morte do autor) e outros que discutem, com precisão, concisão e irreverência - tipicamente oswaldianas... - assuntos e pessoas relacionados à literatura e às artes, tais como os intitulados "Cobra Norato", "Saudação a Albert Camus", "Diálogo das Vozes Segallianas", "A Casa Modernista", "Brecheret", entre outros. A variedade de temas é assombrosa e dá bem a medida da voracidade e da coragem de Oswald em participar do debate público em suas mais diferentes facetas. Cumpre à risca um preceito antropofágico: "só me interessa o que não é meu". Para se compreender Oswald de Andrade em profundidade a leitura deste Estética e Política é indispensável. Encontram-se aqui reunidos textos os mais diversos, como crônicas e artigos para jornais, conferências e mesmo uma tentativa ensaística de maior fôlego, "O Antropófago", em que retoma e desdobra criticamente aspectos histórico-culturais e ideológicos da Antropofagia de 1928. Observe-se que os textos recobrem um arco temporal extensíssimo, estando o mais antigo deles datado de 1921 e o mais recente de 1954. Assim, encontramos neste volume desde o Oswald modernista "heróico", apresentando, por exemplo, Mário de Andrade como o "meu poeta futurista", até o Oswald mais desiludido, mas não menos combativo, dos tempos finais de sua trajetória, um "sex-appeal genário" que continuaria apostando as suas últimas fichas num Brasil independente nos planos econômico e cultural. Como bem indica o título da obra, os textos reunidos tratam de questões estéticas e políticas, e de tal maneira que os dois pólos dessa equação se iluminam reciprocamente para o proveito do leitor atento. Não residiria nessa conjunção muito bem arquitetada, aliás, uma singularidade do escritor Oswald de Andrade? Parece-nos que sim. Pois é sua marca registrada a capacidade de aliar à experimentação de linguagem um pensamento crítico sobre a história e a cultura brasileiras. Com efeito, e desmentindo cabalmente a fama de piadista e diletante, o Oswald que emerge inteiro de Estética e Política é, ao invés, o pensador incansável e penetrante dos dilemas da sociedade brasileira ao longo de muitos anos. Começamos dizendo que em "boa hora" reedita-se Oswald e concluímos afirmando que é sempre boa, em fim de contas, a hora em que se reedita Oswald de Andrade. Em tempos intelectuais mornos como o nosso, de tanta crítica sem pretensão crítica, a alta voltagem de seu pensamento polêmico e corajoso magnetiza-nos e empurra-nos para uma reflexão que se quer ação. E não custa lembrar que Oswald pagou um preço alto pela sua ousadia de ter sido e se mantido sempre um escritor sui generis, como se pode ler em página deste volume que deverá se tornar antológica: "O título geral das "Memórias" é Um Homem sem Profissão, pois no Brasil ser escritor é não ter profissão. Foi o que me aconteceu".