A Editora Globo acaba de lançar A história perdida de Eva Braun, a extensa biografia da mulher que esteve ao lado de Hitler por quase toda sua trajetória política, dos inícios tumultuados na Munique dos anos 1920 até o final sangrento numa Berlim apocalíptica - e que, no entanto, permanece até hoje desconhecida. A história dessa mulher nascida na ordeira Baviera em uma família de classe média (que o futuro ditador alemão conheceria atrás do balcão da loja de seu fotógrafo oficial), não poderia ser objeto de uma biografia convencional. Pois acompanhar a vida de Eva Braun é acompanhar sua transição de estudante em Munique a amante do líder nazista em ascensão, e, a seguir, do chanceler do III Reich. O resultado é uma biografia no plural. Pois o livro realiza, então, a difícil tarefa de traçar três biografias cruzadas (o título da segunda parte é exemplar: "De Adolf a Füher, de colegial a amante"): a de Eva Braun, mas também a de Hitler (o capítulo 5, por exemplo, apresenta de modo tão sintético quanto consistente a infância do ditador), e, por fim, a da própria Alemanha hitlerista, incluindo a gênese do Partido Nazista. O livro não pretende reescrever a história, demonstrando que a amante e esposa de última hora tenha tido qualquer papel ativo nos eventos terríveis de que foi testemunha (aliás desinteressada): o caos político da República de Weimar, a ascensão do nazismo, a instalação da ditadura hitlerista, a Segunda Guerra, o Holocausto. Porém, ao acompanhar a trajetória incomum de uma mulher comum, faz emergir uma personagem tridimensional, longe do estereótipo da pequena e alegre nazista. E que é, ao mesmo tempo, representativa da Alemanha da primeira metade do século XX. Na verdade, é toda a Alemanha da época, dos costumes à política, que emerge com ela destas páginas, principalmente nos primeiros capítulos (assim, ao descrever passagens familiares da infância de Eva Braun e sua árvore genealógica, a autora detém-se em verdadeiras micro-biografias de seus parentes mais próximos, com isto compondo um quadro da vida alemã e de sua história). A partir do momento em que Eva Braun passa a viver com Hitler, são aspectos poucos conhecidos da vida e da personalidade do líder nazista que emergem, ao lado de aspectos nada conhecidos da vida e da personalidade da própria Eva Braun - ao mesmo tempo em que os grandes eventos da época se desenrolam, ora como pano de fundo, ora como tema principal de um capítulo (assim, se o capítulo 25 se chama "Fevereiro de 1944-janeiro de 1945 - Eva no Berghof com Gertraud", o 26 é: "A Conspiração Stauffenberg e suas conseqüências"). A autora se move com rara desenvoltura e controla plenamente a construção de seu material (num texto sempre ágil e inteligente), de modo que as alternâncias de foco se fazem sem fissuras: ao contrário, vão compondo um vasto quadro coeso, em que a história se integra à vida cotidiana - por mais incomum que essa vida em particular tenha sido. O livro conta ainda com dois anexos de valor documental: o primeiro contendo um relato sobre a família Braun por um de seus membros, o Dr. Alois Winbauer, o segundo com trechos do diário da própria Eva Braun.