A poeta Vera Lúcia de Oliveira, ganhadora do Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras 2005, nos apresenta seu novo livro, O músculo amargo do mundo (selo Escrituras), coletânea composta por poemas curtos (setenta ao todo), em média com cinco ou seis versos. Como destaca Ivan Marques, professor de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), o lirismo de Vera Lúcia tem raízes no cotidiano, de onde ela extrai seus pequenos enigmas. Daí a recorrência de substantivos concretos tralhas do mundo doméstico, objetos e instrumentos da esfera do trabalho, cuja enumeração às vezes forma todo o poema ao lado da presença marcante de cheiros, gostos e sabores que infestam o mundo real. Daí também a proliferação de termos relativos ao corpo, cuja recorrência obsedante indica tanto fome e desejo como dor e cansaço, conforme se vê em expressões como ‘membro roto’ e ‘carne fendida’. Na obra poética de Vera Lúcia de Oliveira, lugar de participação e conhecimento, canto de ternura e também de asperezas, o que prevalece é esse agudo senso do real. Nenhum escapismo, nenhuma transcendência, nenhuma inconsciência. Como a dor, a poesia é um modo de sentir e apalpar o dentro da vida. Poesia é coisa que cada poeta inventa a sua. A que Vera Lúcia de Oliveira inventou em No coração da boca é muito dela, diferente do que costumo ler. O que logo me chamou a atenção foi a absoluta ausência de ênfase, de recursos retóricos, de truque estilístico. Nada disso: é uma voz mansa que murmura coisas que nos surpreendem e nos comovem. Ferreira Gullar Não sei que influências recebeu, não sou capaz de identificar ecos doutras vozes na sua voz própria, e confesso que recebo destes poemas um som de autenticidade surpreendente. José Saramago A sua delicada matéria poética se enraíza no que a existência cotidiana tem de mais oculto ou esquivo. Nenhuma transcendência ampara os seus versos os versos de um lirismo coagulado que transgride conceituadas medidas métricas para, numa desconstrução aparente, impor uma verdade que punge e incomoda. () E, no outro lado, do rio ou da terra, ela confessa outros seres e faz ouvir outras vozes. E, com a modéstia verbal que é a sua virtude, celebra a penúria do mundo e o desamparo dos seres. Lêdo Ivo