Os diários de antropologia e teatro que compõem este livro foram feitos por John Dawsey durante os anos de sua vivência e aprendizado com os boias-frias. Acolhido por uma família de migrantes oriundos do norte de Minas Gerais, morou em um dos barracos que se alojam nas encostas de um pequeno abismo na periferia de Piracicaba, cidade do interior paulista. Ali ganhou o nome de João Branco. Com os boias-frias viajou diariamente aos canaviais e com eles trabalhou no corte da cana – a matéria-prima que alimentava as indústrias e os sonhos de uma nação. Em minuciosos registros do dia a dia, o autor nos introduz em histórias tanto de amor e solidariedade como de raiva e violência tecidas em meio a um espantoso cotidiano. Acima de tudo, somos surpreendidos pelo riso, e pelas cenas carnavalizantes que emergem num clima de esgotamento físico e nervoso em canaviais e carrocerias de caminhões. Cobertos de fuligem da cana queimada, com panos cobrindo as suas cabeças e emoldurando os seus rostos castigados pelo sol, boias-frias assustam, com seus risos e gestos, os habitantes das cidades. Transfigurando-se em múltiplas personagens, transformam as tábuas de caminhões em palcos de um teatro cotidiano. Do estudo desse material, surge uma análise capaz de revitalizar o pensamento antropológico, em suas interfaces com o teatro. À luz do pensamento de Walter Benjamin e do teatro épico de Bertolt Brecht, que se projeta sobre a “virada performativa” de antropólogos como Victor Turner e Clifford Geertz, se produz um modo incisivo de fazer etnografia. Mais do que um livro sobre os boias-frias, aqui se revela a força de uma escrita etnográfica que, inspirando-se emfontes acima citadas.