Juliano Moreno escreve desde a fronteira enigmática que separa a tragédia do clichê, a dor da banalização da dor. Night clubs, inferninhos, travestis, lavagem de dinheiro e abatedouros disfarçam sentimentos extremos e vidas agoniadas. Este limite entre o sofrimento e a venalidade produz um mundo de dejetos e de almas descartáveis, em que as diferenças se anulam e a vida se esfria e se banaliza. Por vezes, a dor toma formas ainda mais medonhas, por exemplo, quando Juliano se aproxima dos meninos de rua, presos em um universo sem saída, de suicídios, decadências e overdoses. Margens do Brasil, mas também fronteiras do literário, ali onde o real parece suplantar qualquer possibilidade de imaginação, onde quase se basta. A escrita de Juliano Moreno evoca, ainda, a estética limítrofe de um cineasta valente como Pedro Almodóvar, com seus filmes sobrecarregados de objetos de consumo e de cores berrantes. Ele faz, assim, um jogo esperto com o clichê que, em vez de levar à piada fácil, conduz aos subterrâneos da alma. É o que ocorre no relato sobre o atentado de 11 de setembro. Na fuga, a personagem Carlos do conto "A Sereia?!" tropeça em uma mulher gorda, que poderia ter saído de um filme de Almodóvar, mas na verdade foge da morte. A mudança de sexo também é almodovariana, já que tira da tragédia o imprevisto. Elementos inesperados, que não combinam entre si e que parecem se excluir, se unem na pena de Juliano Moreno, para traçar um retrato paradoxal, mas verdadeiro, do real. José Castello