Baseando-se num longo trabalho clínico com adolescentes em condições sociais precárias do Vale do Jequitinhonha, por um lado, e com mães conflitadas com seus bebês numa clínica de neonatologia, pelo outro, o livro de Leila Guimarães L. de Mendonça pretende responder a questão: De que sofrem as crianças, hoje? Porém, para responder a esta indagação de maneira pertinente foi ainda necessário colocar em pauta outros signos da vulnerabilidade da infância na contemporaneidade. Assim, da violência disseminada e do abandono de que as crianças são ainda objeto, nas classes populares, até a precariedade do investimento dos pais, nas classes médias e nas elites, a indagação da autora percorre diferentes registros do desalento da infância na atualidade de maneira vigorosa e instigante, orientada pelas ferramentas da psicanálise. Nesta perspectiva, o fio de prumo desta obra é o imperativo do investimento do Outro realizado sobre o infante, como condição concreta de possibilidades para que este possa lidar com seu desamparo, de forma a se tornar um ser biológica e psiquicamente viável, para se transformar num sujeito. Contudo, para realizar este investimento é necessário um conjunto de dispositivos (Foucault) discursivos, sociais e políticos, que ordenam o campo da família e balizam as figuras parentais. Por isso mesmo, a obra esboçou como a figura da criança, assim como a da família nuclear se constituíram na modernidade, a partir de uma condição anterior onde a criança era um adulto em miniatura e sem especificidade. Porém, se na passagem do século XVIII para o século XIX o investimento na infância era o signo seguro da futura riqueza da nação, na contemporaneidade, em contrapartida, a criança passou a condição de invisibilidade, nas novas condições de desalento presentes na família contemporânea.