O livro que o leitor tem em mãos parte da incômoda constatação de que o ingresso na modernidade custou aos seres humanos nada menos do que a perda do mundo. Tomado por uma irrefreável confiança nas potencialidades da razão, o sujeito moderno - o sujeito do cogito cartesiano - não se limitou a ir ao mundo em busca de objetos afeitos ao conhecimento: julgou pertinente transformar o mundo e suas coisas em objeto. Um objeto a ser constantemente inteligido e interpretado, e do qual ele próprio, o sujeito cognoscente moderno (cada vez mais desencarnado e reduzido à condição de produtor de sentido), estava, por força dos protocolos dessa nova relação, apartado. É contra esse império do sentido que Produção de presença se insurge. O livro, está visto, inscreve-se no debate mais amplo sobre a "crise da representação" e coloca o autor em diálogo direto com os principais pensadores da chamada condição pós-moderna, em especial os arautos da desconstrução. A interlocução não poderia ser mais produtiva. Ela evidencia que, se pode haver acordo quanto ao diagnóstico da crise, o mesmo não pode ser dito quanto às alternativas propostas. Pois, diferentemente dos deconstrucionistas - e aqui reside não apenas a originalidade mas também a força política de Produção de presença -, Hans Ulrich Gumbrecht não parece nem um pouco satisfeito com a mera dessubstancialização do mundo posta em prática por Derrida e seus epígonos. A seu juízo, limitar-se a "desconstruir" as representações do sujeito é seguro demais, cômodo demais, acadêmico demais em um mundo (ainda) imerso na crise mal resolvida da metafísica. Não: é preciso "sujar as mãos" e, contrariando o "bom gosto intelectual", procurar, não propriamente ressubstancializar o mundo, mas certamente buscar uma nova (ou seria antiga?) via de acesso a ele. Gumbrecht faz isso de modo - literalmente - exemplar. De uma parte, ousando (as mãos sujas...) constituir um vocabulário de conceitos "não interpretativos", aptos a dar conta da presença e de seus efeitos. De outra parte, expondo - num tom confessional que pode fazer corar a sisudez acadêmica mas que certamente encantará uma variadíssima plêiade de leitores - modos de ser-no-mundo nos quais, em vez do sentido, prepondera a presença - esta relação necessariamente espacial e corpórea com o mundo e suas coisas. Qual o saldo dessa empreitada intelectual? Os mais variados. O principal deles, parece-me, o vislumbre da possibilidade de nos ressituarmos - consciência e corpo - no espaço do mundo. A ele, sem demora!