O mesmo mundo que nasce se destrói e depois de destruído renasce para logo se destruir Tal alternância foi algo que vislumbrei uma vez nos gestos de uma velha artesanciã no interior da Bahia, ceramista sabedora de que seu ofício é atravessado por motivos cósmicos. Não tinha forno, curava as peças fazendo fogo na rua. Os mistérios do tornar-se: o jogo incerto, o abraço precário do que se agrega e dissipa, do que adere e escorre. Povoados de imagens desse agregar/esvair, os poemas do livro Ré, de Letícia Sodré, reverberam tais forças, impermanência e transmutação. Uma poética atenta ao caráter cíclico da vida e à fugacidade dos encontros, com uma marcante presença de elementos e situações relativas à natureza. Essa atenção ao que em nós e no mundo é mutável e transitório não se encaminha, entanto, para um sentido de urgência agonizante. Ao contrário, induz à celebração da exuberância dos gestos cotidianos. [...]