A capacidade de despertar a nossa visão para o cotidiano como também para o insólito e o invisível é talvez um dos méritos maiores do trabalho deste Paulo Hernandes: o leitor verá, nas páginas do livro, o menino Anchieta em sua ilha natal; o estudante numa Coimbra ainda humanista, mas já ameaçada pelas forças da Inquisição; o jovem irmão a bordo das naves que o conduziam para uma terra desconhecida. Verá Anchieta tal como ele próprio se apresenta em uma de suas cartas: ´Uma vez voltando eu para Piratininga de certa povoação de portugueses, para onde a obediência me fizera ir com outro irmão a ensinar a doutrina, encontrei uma cobra enroscada no caminho; fazendo o sinal da cruz, bati-lhe com o bastão e matei-a. Pouco depois começaram a sair outras do ventre materno: e sacudindo eu o cadáver, apareceram outros filhos ainda, em número de onze, todos animados e já perfeitos, exceto dois (...). Só descansamos em Jesus, Senhor nosso, que é o único que pode fazer com que nenhum mal soframos, andando assim por cima de serpentes´. Partindo do manuscrito autógrafo, Paulo Hernandes confronta suas falas em tupi com a tradução literal e reencena o texto de forma admiravelmente teatral, sem deixar de lado, entretanto, o cuidado do pesquisador sempre atento ao concerto de vozes acadêmicas que vêm cercando, há séculos, José de Anchieta.