Olivier Cadiot nos faz mergulhar no magistral delírio de um mordomo que, para desempenhar suas tarefas, ou por tentar desempenhá-las, apóia-se numa construção psíquica insensata cuspindo fogo para todos os lados. Cada uma das cenas de sua vida cotidiana (refeições onde os incidentes se sucedem numa velocidade estonteante, a formação 'militar' dos criados sob sua responsabilidade, fantasiosas perseguições em jardins e florestas com toques de hiperrealismo, etc.) é para este personagem-narrador a ocasião de aperfeiçoar sua engenhosa e ameaçadora metralhadora giratória, calcada no imaginário das histórias de espionagem, com destaque para a organização metódica da sobrevivência num mundo hostil, sem esquecer a parafernália de praxe: microcâmeras, microfones ocultos, passagens secretas, armas brancas mortais, além das inevitáveis Aston Martins. O livro em sua totalidade, cena pós cena, capítulo após capítulo, apresenta o monólogo interior no qual o mordomo (ganha um troféu quem descobrir se o narrador é mordomo ou espião) descreve e comenta seus atos e o ambiente no qual os comete. O que faz com que o leitor fique atônito, como que no gargarejo de uma alucinada platéia ou por detrás de uma câmera captando desvairadas imagens e sons vindos de todas as direções, um giroscópio trabalhando diuturnamente em 360o . Mais ainda do que no espírito do personagem-narrador, instalamo-nos no interior de seu discurso. Em seu abissal jorro de palavras estão contidas reflexões, crítica social, referências umbilicais: cinema, publicidade, música, literatura, grafismos, tudo está a serviço do ferino, por vezes cáustico, mas sempre obsessivo estilo narrativo deste multiartista das letras francesas.