Levada aos palcos pela primeira vez em Londres, em 1606, a peça Rei Lear é não só uma das maiores criações de William Shakespeare (1564-1616) como também assinala um dos pontos mais altos da dramaturgia mundial. A tragédia do rei majestoso e octogenário, que tem início quando este decide abdicar do trono e partilhar seu reino entre as três filhas, equiparando a herança de cada uma ao afeto que lhe demonstram, lança o protagonista numa espiral vertiginosa em que este passa do ápice do poder à crua indigência, encontrando sua perfeita realização dramática na célebre cena da “Tempestade”, no ato III.Ao longo da peça, Lear e as demais personagens — com destaque para a figura genial do Bobo que, com suas tiradas certeiras e imprevistas, antecipa aspectos do que modernamente se chamaria “teatro do absurdo” — põem a nu uma ampla gama de emoções, normalmente ocultas, bem como variadas formas de luta pelo poder.