Existe uma palavra judaica, presente com conotações diversas tanto no hebraico quanto no iídiche, que explica/complica o que o leitor ora tem em mãos: chutzpah. É um misto de audácia, insolência, abuso e coragem. Noga Lubicz Sklar tem chutzpah de sobra. Quantos aí não só encararam - encararam para valer, não para citar nas rodinhas - o célebre Ulysses de James Joyce como fizeram uma espécie de diário de bordo da leitura?Noga fez. Leitora voraz, escritora compulsiva, comentarista atenta de blogs e colunas dignos de sua consideração, ela afinal decidiu abrir o seu livro (fechado) de cabeceira há quinze anos e transformá-lo em ponto de referência e de irreverência de dezenas de posts no seu próprio blog, entre dezembro de 2007 e junho de 2008. Ajeitados daqui, espichados de lá, eles compõem incomum O gozo de Ulysses - As múltiplas línguas de James Joyce.Não sendo médium ou sequer crente, é impossível dizer o que Joyce teria achado dessa, como diria Renato Aragão, audácia da pilombeta. Mas eu seria capaz de apostar duas pints de Guinness no pub de Davy Byrne que o irlandês teria apreciado tamanho chutzpah. Porque Noga tira Joyce do pedestal para examiná-lo, o que não implica nenhum rigor ou tédio acadêmico, e ao fazer isso o devolve às ruas. O que mais pode querer um escritor?Não são tanto as ruas de Dublin, pelas quais Leopold Bloom deambulou naquele lendário 16 de junho de 1904, e sim as ruas do Rio de Janeiro, onde Noga vivia quando escreveu O gozo de Ulysses (depois retirou-se sensatamente para a Região Serrana). Como ela diz, há um "Joyce no cotidiano", o da cidade então governada (sic) por Cesar Maia e o seu próprio, no qual algumas das páginas mais Claro que, em se tratando de Joyce, O gozo de Ulysses tem dúvidas eruditas, trocadilhos infames, sacanagens latejantes, humor. É como se, daqui do século XXI, Noga mandasse e-mails para o maior mito literário do século XX, fiel ao espírito daquele velho safado.