Qual o lugar da sensibilidade estética na fatura do mundo numa época em que quase tudo o que chamamos de arte está convenientemente afastado do cotidiano da vida? Se já faz algum tempo que essa pergunta tem ocupado a poesia de Dyl Pires, é em Última carta na manga da cantora careca que ele retira as consequências que hoje o levaram a interromper a atividade escrita. Toda crise artística é uma crise biográfica, diz um dos versos mais testemunhais deste livro. O poeta marcou no peito as fissuras da delicadeza que estão estampadas nos pequenos e grandes gestos de violência nos quais se cancela o futuro por indiferença e preguiça. Coisas que acontecem entre as pessoas na hora de comprar o pão e também nos olhos dos mendigos. Nos termos do autor: ninguém quer saber de ouvir o canto do bode/que necessariamente deveria vir do matadouro silencioso do coração. Esse bode esquecido é o animal grego que possibilitava, num rito de embriaguez e dissolução coletiva do eu, a criação (...)