A linguagem do poeta Pedro Casaldáliga rima com a vida do militante cristão D. Pedro Casaldáliga. É uma poesia de protesto que se insurge contra os males que o capitalismo selvagem - brasileiro e internacional - continua a infligir às terras, aos homens e às mulheres do Araguaia. É uma poesia que entra em sintonia com o povo dessa vasta região do Mato Grosso: os índios banidos ou massacrados, os posseiros espoliados, os lavradores e pescadores expulsos; em suma, os peões forçados a trabalhar sob um regime de semi-escravidão. A denúncia crua, sem véus de alegoria, dá o cerne a essa palavra forte que sai da boca de um lutador vindo da insubmissa Catalunha para o coração da América Latina, à qual dedicou a maior parte de sua vida, como bispo de São Félix. Dessa opção sem retorno provêm a autenticidade sem pregas de sua linguagem e o alto grau de sua lucidez política, que amadureceu em meio a conflitos de extrema violência provocados pelos mandantes locais e tolerados por autoridades passivas, quando não coniventes. Acontece que o militante D. Pedro Casaldáliga é também poeta. Não lhe basta agir no mundo adverso da luta pela justiça. Sua paixão não se consome toda na vida ativa que o ofício pastoral lhe exige. Os sentimentos que a ação não consegue absorver de todo transmutam-se na esfera da palavra e da imagem poética, que a seu modo os exprimem e lhes dão eficácia simbólica. Versos adversos foram se construindo ao longo desses anos de combate aquecidos pela fé no Deus-Homem e pela esperança na regeneração de uma Terra onde se aliariam finalmente imanência e transcendência. Uma Terra que pudesse realizar o sonho multimilenar e renitente de um reino de justiça e paz, "aquela Paz do Reino, que vem vindo, inviável e certo". O paradoxo já diz muito dessa fusão de realismo duro e esperança radical que preside à visão da História de D. Pedro e de tantos de seus irmãos de fé. É precisamente essa coexistência arriscada de um projeto "enfincando teus pés no dia-a-dia", logo francamente terreno, e de uma convicção cristã inabalável, que dá sentido coeso e vibrante à poesia de Casaldáliga. Vem a nossa memória o tom de outro combatente, a voz da Nicarágua sandinista, Ernesto Cardenal. Percorrer Versos adversos é descobrir ora a dimensão da áspera denúncia em lances de protesto ou de sátira; ora a expressão do fervor religioso a que não faltam ressôos cósmicos; ora, enfim, o encontro de ambas as vertentes que fluem para um horizonte remoto, transcendente e ao mesmo tempo bem próximo, pois fez morada no coração dos viventes e da paisagem araguaios.