Brasileiros, mesmo os ateus, nutrem sincera simpatia por santos. Simpatia essa que é fruto da colonização portuguesa católica, misturada às entidades das religiões africanas, que juntaram suas divindades aos santos cultuados pelos europeus. Desta mescla saiu uma espiritualidade bastante distinta das praticadas na maior parte do mundo, incluindo as regiões que para cá trouxeram suas crenças. É sobre o culto, as vidas e as lendas em torno desses homens e mulheres a quem os brasileiros recorrem para reforçar os pedidos de interferência divina que os historiadores Leandro Karnal e Luiz Estevam de O. Fernandes tratam em Santos Fortes Raízes do Sagrado no Brasil. A linguagem simples e o didatismo se juntam à ironia num texto que traz aspectos históricos e pitorescos não apenas sobre a vida dos santos boa parte deles martirizados ao professar o cristianismo, mas também fala do comportamento dos fieis em relação aos cultos. Nem o crescimento no País do número de protestantes, notadamente os evangélicos, cuja tradição dispensa intermediação entre o indivíduo e a divindade, reduziu o apego do brasileiro aos santos. Até os que se dizem católicos não praticantes aproveitam as folgas, religiosamente, no dia de padroeiros e protetores de incontáveis lugarejos e cidades. Os censos apontam que os nomes mais encontrados nos registros de nascimento no Brasil são Maria e José, os pais de Jesus Cristo, que também denominam diversas cidades em todo o território nacional. Maria é cultuada sob diversas denominações, entre elas a de Aparecida, a padroeira do país, e a de Nazaré, protetora de Belém do Pará, onde sua festa atrai dois milhões de romeiros para as ruas da cidade, no maior evento católico do Brasil. No mês em que se comemoram os 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, cuja imagem foi encontrada por três pescadores no Rio Paraíba do Sul, em outubro de 1717, tornando-se símbolo de devoção de todo um povo, chega às livrarias pelo selo de ideias e debates Anfiteatro Santos fortes, do historiador e professor da Unicamp Leandro Karnal, escrito em parceria com o doutor em História Cultural Luiz Estevam de O. Fernandes. Reconstruindo biografias e hábitos religiosos, os autores fazem uma leitura instigante, acessível e bem-humorada do cotidiano de fé do Brasil a partir da trajetória de santos populares, entre eles São Jorge, São João e Santo Antônio, além de dedicarem um capítulo às múltiplas faces e títulos de Nossa Senhora, e outro aos “Santos fora do altar”, como Padre Cícero, escrava Anastácia e outros casos curiosos de devoção popular.