Devia ser meados de 1965. Por caminhos tortuosos chegaram até mim dois italianos, verdadeiros, recém-chegados da Itália. Possuíam credenciais da seção internacional do Partido Comunista Italiano. O primeiro era Urbano Stride, um pouco mais velho. Vinha a trabalho, pois seria gerente de um hotel em Belém do Pará. O outro havia aproveitado a oportunidade e tinha seguido Urbano, a quem já conhecia. Tratava-se de Dario Canale. Queriam contatos orgânicos com o PCB.Urbano já tinha seus projetos traçados, com destino ao norte. Dario também tinha seus objetivos. Chegava ao Brasil para dedicar-se totalmente à revolução, queria ser um profissional do Partido.Criou-me qualquer problema. O Partido era clandestino, estava em grandes dificuldades, a ditadura a cada dia apertava um pouco mais seu aparato repressivo.Depois, era necessário conhecê-lo um pouco mais, ver se era seguro, quais eram suas aptidões, se dominava um mínimo a situação nacional.Eu o coloquei a trabalhar comigo de forma discreta. Na época era da seção juvenil nacional e responsável político dos universitários do PCB do estado de São Paulo.Pode parecer retórica, mas era perfeito. Disciplinado, atento à segurança, não falhava em nenhuma tarefa, sacrificado ao extremo. E culto, extremamente culto, possuindo uma facilidade para idiomas que nos humilhava a todos.Tive que apertá-lo para saber por que tinha deixado a Itália, que nos parecia maravilhosa além de ser o país do maior partido comunista do Ocidente.Sua história era simples. Originário de Schio, no Vêneto, região rica e conservadora, havia estudado filosofia na Universidade de Pisa, então considerada a melhor e a mais difícil universidade italiana. Grande celeiro de quadros comunistas. Ali passara a ser militante assíduo e, uma vez graduado com os máximos votos, se lhe apresentava uma promissora carreira no Partido. Porém não agradava a perspectiva. Acreditava que a situação na Europa era congelada pela Guerra Fria e que não existia a possibilidade de uma ruptura revolucionária. Via no Brasil essa possibilidade. Certo ou errado que estivesse, era esta sua análise.Achei que era um desperdício fazê-lo continuar a trabalhar comigo e o apresentei a Câmara Ferreira, companheiro da direção nacional que cuidava de delicadas tarefas na clandestinidade. O exigente companheiro Câmara logo ficou encantado com Dario, que se tornou responsável das gráficas do Partido em São Paulo.Quem conhece a história do movimento comunista sabe como os partidos que combatiam na clandestinidade entregavam suas gráficas apenas aos quadros que consideravam os mais fiéis e responsáveis.Enquanto se travava a cotidiana batalha contra a ditadura desenvolvia-se uma áspera luta interna nas fileiras do PCB e Dario, noite e dia, produzia materiais sobre o Vietnã, as guerrilhas latino-americanas, a resistência antinazista na Europa etc. Fazia de tudo. Traduzia, escrevia, operava as pobres máquinas da gráfica e às vezes - irresponsavelmente - também as distribuía.Um belo dia, quando já avançava o 1967, Urbano Stride é preso no Pará acusado de "agente do comunismo internacional" para preparar guerrilhas recebendo armas de "submarinos cubanos"!!! Através dessa queda são atingidos vários italianos e a repressão chega a Dario. Torturado, supera até mesmo o que se esperava dele. Recusa-se a dizer o próprio nome.Uma grande mobilização internacional promovida pelo PCI consegue sua libertação e ele é expulso de volta a seu país natal.Inquieto, participa ativamente do Maio francês de 1968, onde é ferido de forma séria nas barricadas de Paris.Eu o encontrarei novamente na Itália no final de 1970. Havia continuado a manter contato com Câmara Ferreira e seguido seu trajeto político "brasileiro", passando a fazer parte da ALN, embora continuasse ativo militante do PCI. Em meados de 1971 será um dos autores, junto com Ricardo Zarattini, do documento Uma autocrítica necessária, que dará vida à tendência leninista da ALN. Transfere-se para Santiago do Chile, onde exerce uma série de empenhos, sempre de forma intensa. Entre suas capacidades estava a elaboração de documentos de identidade falsos.Entra de forma clandestina no Brasil, a pedido da Tendência Leninista, onde executa missões arriscadas e difíceis, como contatos e discussão com os companheiros do PCR no Nordeste e com grupos operários em São Paulo.