Historicamente, as atividades de produção e extrativismo para suprir as demandas por alimentos, fibras, fármacos e outras matérias-primas respondem por grande parte da modificação da paisagem, redução e alteração da biodiversidade natural em escala planetária. A ocupação agrícola atual já é de aproximadamente 1,5 bilhões de hectares, cobrindo grande parte da superfície terrestre. A capacidade técnica e política para ocupação rápida de biomas inteiros por sistemas agropecuários é ilustrada pela eliminação, em apenas 20 anos, de 80% da vegetação de cerrado que cobria o Centro-Oeste brasileiro e pela substituição completa da sua biota por pastagem e monoculturas, principalmente de soja para exportação. No entanto, ao mesmo tempo, áreas anteriormente ocupadas com agricultura degradam-se devido à adoção da monocultura associada ao uso intensivo de agroquímicos e tecnologias intensamente aplicadas também nas novas áreas de ocupação. Esse modelo agrícola tem alto impacto sobre os recursos naturais, como água e solo, e sobre processos biológicos vitais para o agroecossistema, particularmente a ciclagem de nutrientes e regulação de populações de espécies pragas, que são mediados por microrganismos e componentes da comunidade biótica. O manejo inadequado dos solos, aliado à destruição quase que completa da biodiversidade observada em áreas de monocultura em larga escala, são os principais responsáveis pela ruptura de processos ecológicos que levam à degradação das condições de produção, muitas vezes resultando em abandono da terra e busca de novas áreas. Assim, o modelo convencional de produção baseado na revolução verde, além de não apresentar soluções para os impactos e problemas ecológicos que promovem a degradação das terras agrícolas e comprometem a sua sustentabilidade, avança sobre áreas remanescentes de biodiversidade nativa, deixando os seus rastros de externalidades. Particularmente em países como o Brasil, se conceitos agroecológicos para o desenho de agroecossistemas não forem rapidamente incorporados à formação dos futuros profissionais da área agrícola e difundidos para os agricultores, conviveremos ainda por longo tempo com os efeitos da degradação de recursos físicos e biológicos importantes para o funcionamento de agroecossistemas e também com a ocupação de terras virgens e destruição de áreas remanescentes de biodiversidade nativa.Embora a ecologia seja uma ciência relativamente recente, muito das suas teorias e conceitos se desenvolveu a partir de observações e comparações entre sistemas naturais e sistemas perturbados. A agroecologia ocupa-se do desenvolvimento dessa ciência, enfocando a estrutura, o funcionamento e os processos que operam no agroecossitema, contextualizando-o como um supersistema, em que, além dos ambientes físico e biótico, os ambientes sociocultural e político são fatores determinantes. Atualmente, quando o valor da biodiversidade é discutido como recurso essencial e fonte de riqueza, não é admissível que profissionais e técnicos desconheçam ou ignorem em sua atuação o papel dessa biodiversidade para o funcionamento de agroecossistemas e particularmente para o manejo de pragas. Monoculturas em larga escala representam ambientes inóspitos, nos quais a biodiversidade é quase que completamente eliminada, juntamente com os seus serviços de regulação de populações de pragas. A incorporação de elementos de diversidade ao sistema é a base para o desenho de agroecossistemas que favoreçam processos ecológicos vitais para a sustentabilidade. Nesse contexto, o livro de Miguel A. Altieri, Evandro do N. Silva e Clara I. Nicholls sobre o papel da biodiversidade no manejo de pragas representa ferramenta oportuna e importante para a formação de nossos futuros profissionais, particularmente agrônomos e biólogos que atuarão na área agrícola. O livro vem contribuir no preenchimento de uma lacuna da literatura disponível em português, apresentando conceitos essenciais, sínteses de teorias ecológicas, exemplos claros e estudos de caso ao longo dos sete primeiros capítulos. O Capítulo 8 “Redesenhando agroecossistemas para um manejo ecológico de pragas: desafios e perspectivas” oferece uma boa idéia de como é possível a implementação dos conceitos e das teorias ecológicas na estruturação de agroecossistemas produtivos, ecologica, econômica e socialmente sustentáveis. O capítulo final, “Biodiversidade e manejo de pragas: perspectivas” convida-nos a refletir tanto sobre questões de demanda de conhecimento científico, como sobre questões sociais e políticas a serem consideradas para o desenvolvimento de agroecossistemas compatíveis com idéias de incorporação e conservação de biodiversidade. Como diz nosso querido entomólogo Marcos Kogan, “se a inteligência humana irá prevalecer sobre o instinto dos insetos, será somente através de estudos aprofundados que conduzam à coexistência harmoniosa de todos os seres vivos”. Essa obra contribui para que caminhemos nessa direção.