A fome de ver (de Carlos Orfeu) devora a Língua e regurgita este livro, em que as coisas trocam de pele, renovando os próprios nomes (mas bem longe dos nomes próprios) em territórios de aparente desordem, mas de novas interfaces entre o ser e o estar. Os poemas são passagens de nível, oferecidos a certas operações do olhar, em que florescem novas ordens sob toda a desordem em revolta; os poemas são desovas de matéria absorvida e devolvida, em ciclos de morte e vida, numa poesia de rejeitos, dejetos, restos de naturezas-mortas, cacos aparentemente irrecuperáveis, das pequenas partes móveis do grande fractal da realidade. Para alguns, aqui talvez coubesse ao poeta (ao colar nele um rótulo de Midas) reconstruir as cenas das coisas destroçadas com alguma nobreza artificial; porém, para esses, Orfeu frustra espetacularmente as expectativas, porque não interessa a ele restaurar nada, como naquela arte japonesa de recuperar (com fios de ouro) as porcelanas espatifadas, mas, ao contrário,(...)