Este livro apresenta-se com quatro palavras pesadas: lingüística, funcional, teoria e prática. Os pesos são ponderados nas duas primeiras, com complicação para o intérprete habituado a lidar com as ciências humanas, pois o funcional da lingüística é distinto do funcional da antropologia. Aqui se trata de um tipo de abordagem que privilegia o contato empírico com os dados, sem comprometer-se com os pressupostos do funcionalismo clássico. O terceiro termo, teoria, dissipa parte das dúvidas do profissional da linguagem e das pessoas interessadas na temática da ecologia da linguagem. A teoria abordada e elaborada nesta coletânea origina-se de uma reação à lingüística formalista, desencadeada na Costa Oeste dos Estados Unidos nos anos 1970, tendo como figuras de proa Talmy Givón, Sandra Thompson e, mais recentemente, Joan Bybee. A teoria construiu-se e constrói-se mais em termos reativos do que proativos, pois os pesquisadores avançam num constante exercício de ensaio-e-erro, a partir dos postulados formulados por Givón em 1979, em sua monumental On understanding grammar. Figura/fundo, transitividade, iconicidade e gramaticalização apresentam-se como pedras de toque do movimento. O termo prática é mais ambicioso e, portanto, mais problemático. Em sua primeira acepção, prática aponta para as análises empíricas de fenômenos sintáticos e léxico-semânticos do português, desenvolvidas pelos membros do grupo de estudos Discurso & Gramática, com competência, seriedade e alto rendimento. É a acepção de diagnóstico, descrição, análise da sintaxe no discurso. Já o segundo sentido do termo prática transporta-nos para uma esfera menos consensual, em cuja órbita gravitam problemas de distinta natureza, porque em interface com a intervenção. Pedra de escolho no caminho dos lingüistas, formados para a pesquisa, guiados pelas perguntas e orientados para um fazer em que a verdade final não existe, a intervenção supõe a certeza da superioridade das propostas interventivas face às que vigem no mercado, a garantia de que vale a pena mudar os hábitos lingüísticos dos membros da comunidade discursiva e, sobretudo, a apresentação e discussão das estratégias para assim proceder. A produção do conhecimento na área da linguagem convive com uma séria crise de esvaziamento na repetição de propostas de intervenção e no amálgama de alternativas de análise, provocada em parte pelo afã de mostrar resultados, a todo custo, para atender à demanda de controle acadêmico sobre o aumento de produtividade dos órgãos governamentais. A expectativa é que este livro sobreviva, sereno, às perturbações e aos conflitos na área, resultantes da exacerbação do modismo. SEBASTIÃO VOTRE Professor adjunto de Língua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense (UFF).