Biografia de uma árvore é poesia incomum no panorama da literatura brasileira. Em seu quarto livro, o reconhecido escritor gaúcho Fabrício Carpinejar completa um ciclo autoral iniciado com As Solas do Sol (1998), resgatando o personagem de sua estréia, Avalor (sem valor). Cada obra de Carpinejar representa um capítulo de um romance versificado. Em Um Terno de Pássaros ao Sul (2000) ocorre um acerto de dívidas com a figura do pai. Terceira Sede (2001) faz uma prestação de contas com a velhice. Agora a briga é com Deus, numa espécie de diálogo narrativo e atormentado com as pretensões do divino. "Não sou unânime para te dizer sim./ Dissidências me governam." O homem sai de si para ver melhor. Essa é uma das senhas de leitura, a exemplo dos personagens de Kafka, que se transformavam em insetos e objetos. Como pontua Vicente Franz Cecim, na apresentação: "Fabrício Carpinejar se permite a contorção vegetal para se experimentar em outra dimensão, fora do humano". Nada de transcendência, Carpinejar recorre ao tom coloquial, carregado de uma sensibilidade simultânea, para entender aquilo que afasta as pessoas da condução do destino. Biografia de uma árvore oferece três versões: autorizada pelos pássaros (visão do médico), autorizada pelas raízes (ponto de vista do narrador poético) e autorizada pelos frutos (observações dos filhos). O cenário temporal é 2045, numa fictícia eclosão da Terceira Guerra. A valor pode ser um visionário ou um incompreendido pela própria sociedade, algo como uma mistura artística entre Van Gogh e Arthur Bispo do Rosário. Sem meias-palavras, ele detalha sua vida, a mulher distanciada, a infância, as relações familiares, o futuro, tão perto da verdade que parece loucura. Seguindo o formato de versículos bíblicos, os versos aspiram à condição de julgamento: "Atendi o pedido dos pais/ de não conversar com estranhos/ e deixei de me escutar". Ao final, descrente com a imagem do mundo, Avalor demite Deus por justa causa e cria o "Novíssimo testamento".