A filosofia, assim como a religião, precisa tanto da morte quanto a ciência precisa do seu determinismo. A morte é a musa da filosofia, já nos disse, entre outros, o senhor de Montaigne, e também é a razão de existir da religião e da ciência, eu acrescentaria. Sem essa certeza, não há a menor possibilidade de continuarmos, por assim dizer, vivendo, e isso porque, se parássemos de morrer, toda a estrutura cultural se desmoronaria e não por conta do que seria permitido ou proibido, isso é uma outra questão , mas porque sem a morte não saberíamos o que fazer da vida; nem saberíamos o que seria a vida. A morte é o que nos designa enquanto seres vivos: os seres vivos são aqueles que um dia morrem; e a ciência dela da morte é o que nos diferencia dos animais e nos proporciona o aparato necessário para construirmos todo um sistema de crenças, de respostas e de ilusão baseado na garantia de que um dia não mais seremos, de que um dia chegará onde nossas dores e nossa angústia se encerrarão. Seja a ideia de um pós-morte onde o não-mais-vivo se reunirá novamente ao Um, à essência, ao Uno-primordial, a Deus como desejarem; seja a certeza de um nada posterior à vida, todas as construções imaginárias que vêm com o objetivo de dar conta do sem sentido que chamamos de morte estão aí no discurso para tentar resolver aquilo que é impossível de ser completamente, plenamente apreendido pelo homem. Antes morrer do que a eternidade nos diz o romancista português; antes a morte do que viver eternamente em um corpo fadado à entropia, à perecividade, quando suas células e seus genes não mais darão conta de todo o trabalho necessário para se manter em pé e funcionando.