Quando a bioética espraia as categorias da ética para a consideração do impacto que, na nossa existência, na nossa felicidade, na assunção e cumprimento dos nossos deveres, na sedimentação da nossa personalidade, têm aspectos involuntários do nosso suporte vital - a nossa mortalidade, a nossa morbilidade, a nossa vulnerabilidade, a nossa dependência, a nossa animalidade - , não está ela já a abrir caminho a um "descentramento" da ética relativamente à consideração isoladora (e exaltadora) da condição humana? Não está ela a legitimar a consideração niveladora de interesses e problemas exclusivamente humanos (ou, ao menos, apresentados como exclusivamente humanos, seja lá isso o que for) com interesses e problemas que conseguimos reconhecer em todos aqueles que, partilhando a sua existência terrena com a espécie humana, também manifestam nessa existência a sua mortalidade, a sua morbilidade, a sua vulnerabilidade, a sua dependência, a sua animalidade?