É literatura contemporânea na veia que você quer? Então venha ler Eles, o livro que marca a estreia de Vagner Amaro como escritor de ficção. Os contos têm uma dicção urbana, antenada com as questões que estão pulsando na agenda de discussões públicas, tanto no ambiente acadêmico quanto nas redes sociais. Vagner trata, de modo pungente, da violência, do racismo, do machismo, do conservadorismo, da classe média, da homofobia, da masculinidade tóxica que não deixa as pessoas (homens e mulheres) viveram as suas vidas de modo pleno e livre. São dez contos, curtos, com linguagem certeira, diálogos cortantes e ritmo acelerado. O primeiro conto O perfume de Olavo, já mostra a que veio o livro. Com um narrador em terceira pessoa, acompanha a vida de uma mulher que mora em um conjunto habitacional, é separada e cria seus filhos com dificuldade. Mesmo que lá pelo meio do conto se instaure um clima de tensão, não dava para estar preparada para o desfecho. Fiquei arrepiada da cabeça aos pés. Outro conto que me impressionou muito foi A festa. O narrador joga o holofote em cima de um cara que costuma frequentar todo ano a mesma festa de aniversário. Lá, ele encontra sempre o mesmo grupo de pessoas com quem apenas conversa sobre coisas superficiais e nunca estabelece, realmente, uma relação profunda de afeto. Tem uma expressão, que um dos personagens usa, que me deixou impactada: euforia triste. Acho que isso define um pouco o que tem sido viver estes tempos de modernidade líquida, como disse Zigmunt Bauman. Tive a sensação de que os contos perfazem o gesto de levantar o tapete, abrir a porta do armário, escavacar o fundo gaveta e tirar tudo que estava escondido e submerso, deixando todas as máscaras meio caídas. Os não ditos, que permearam a sociedade brasileira até aqui, ficam expostos e escancarados. A linguagem de muitos dos contos está muito próxima à do cinema, adoraria ver uma adaptação para as telonas.