As escrituras canônicas da cristandade (e as tidas como apócrifas, talvez principalmente) despertam grande interesse entre escritores da nossa língua - de Orígenes Lessa (O Evangelho de Lázaro) a José Saramago (O Evangelho Segundo Jesus Cristo). Interesse que os leva menos à narração do que à recriação literária da "história oficial": e se os episódios e personagens não tiverem sido exatamente como estabelecem os textos sagrados? Essa a questão a que Frederico Lucena de Menezes busca responder em Bar Pandera - redescobrindo o caminho, obra que se põe à altura, em substância e em força literária, à História de Uma Espera, o primeiro e excelente romance do autor, cujo tema são os holandeses no Brasil do século XVII. Já por duas vezes, Frederico vence, com mão de mestre, o perigoso desafio da ficção histórica, em que se está sempre a um passo de fazer a literatura tão didática, enfadonha e sem brilho quanto as "causas e conseqüências" a que antes se limitava o ensino da história. Em Bar Pandera, o ambiente, as personagens e as ações se constroem com tanto saber que prendem o leitor até a conclusão da narrativa, como se o que ali se passa não fosse velho de dois mil anos... Atenção especial para a riqueza humana e o sentimento filosófico de Yeshua Bar Pandera, o narrador que dá nome ao livro, para quem o pai era importante, sim, mas não tanto quanto hoje se acredita... Escritor de admirável talento, Frederico Lucena de Menezes inclui-se, com Bar Pandera, na mais expressiva linhagem do romance histórico em língua portuguesa. Nesta nova e excelente ficção, acha-se não o imposto pelos dogmas, mas a imaginação do que pode ter sido - ou, mais fascinante ainda, a verdade do que realmente foi. Afinal, como se lê na última linha, a história (ainda que de deuses e de santos...) é feita de histórias.