Passados 60 anos após a assinatura da Concordata entre o Estado e a Santa Sé, muita coisa mudou na Igreja e na sociedade portuguesa e no relacionamento mútuo. Apesar disso, mantém-se o essencial, se se atender quer à natureza do estado de Direito quer à missão da Igreja Católica na sociedade. Razão bastante para a revisão da Concordata em moldes mais adequados à evolução dos tempos, o que se prevê para breve. Finalmente, surgiu a edição anotada à Concordata Santa Sé-Portugal, numa iniciativa da Faculdade de Teologia e do Centro de Estudos de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa, editada pela Livraria Almedina (Coimbra). A iniciativa foi pensada em 1990, no 50° aniversário da Concordata, mas tardou a chegar, embora ainda venha a tempo para ajudar na iminente revisão concordatária entre o Estado português e Santa Sé. Aquela edição anotada ajuda, de facto, na compreensão das relações Igreja-Estado em Portugal, marcadas, como lembra M. Saturnino Costa Gomes, "por aspectos negativos em certos momentos da nossa história portuguesa". A edição inclui o texto integral da Concordata e do Acordo Missionário, o enquadramento histórico-jurídico das concordatas, comentários aos artigos da Concordata de 1940 e ainda documentação em apêndice, recolhida e unificada como apoio imprescindível à aplicação da Concordata e do Acordo Missionário. É um bom contributo para as comissões que, da parte da Santa Sé e do Estado português, vão realizar as novas negociações para a revisão concordatária. A futura Concordata, como antevê o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, terá necessariamente em conta "a natureza do Estado de Direito, pessoa de bem, o seu respeito pela pela liberdade religiosa, o reconhecimento da Igreja Católica como elemento estruturante da nossa tradição cultural e o respeito pela sua visibilidade institucional". Obviamente, também a Igreja obedece a princípios: "o seu reconhecimento - diz D. José Policarpo - da dignidade e função do Estado e uma nova compreensão, aprofundada pelo Vaticano II, da sua missão na sociedade, com um contributo específico, de natureza espiritual, cultural e social, que ela espera ver reconhecido e apoiado". "A Igreja está, hoje, consciente - sublinha o cardeal-patriarca - da sua missão na sociedade portuguesa, na continuidade de uma longa tradição, mas também da pluralidade da sociedade em que está inserida. Esperamos que seja ultrapassado o ambiente contencioso, de desconfiança e ataque à Igreja por parte de um laicismo de cariz negativo e agressivo, ambiente esse que exigiu a Concordata como elemento decisivo para a construção da paz social, e que a nova Concordata assente sobre um ambiente positivo do real contributo da Igreja para a harmonia da sociedade em que o Estado encontrará as formas justas e democráticas de a respeitar e apoiar, sem chamar a isso privilégios". A nova Concordata como se espera, traduzirá na prática aquilo que o Concílio Vaticano defende na sua constituição pastoral sobre a Igreja no Mundo contemporâneo: "No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autónomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas servem a vocação pessoal e social dos mesmo homens. E tanto mais eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo igualmente em conta as circunstâncias de lugar e tempo!"