Responsabilidade, precaução, antevisão e ação. No texto transcrito de uma conversa em voz alta se revela toda a potência da seletividade não fortuita da memória. Catullo Branco, homem de ação, varre um longo período de tempo falando de seu abraço à política, ao comunismo, à engenharia, ao interesse público e à transformação social. Para as crianças o tempo passa devagar, aproveitávamos mais o que aquele aliado nos ofertava. No intervalo de uma hora de atividade e ação, podíamos e fazíamos tudo. Esta é a explicação que me dou para tentar entender como foi possível a Catullo Branco, fazer tanto, se envolver tanto, e envolver outros tantos que nunca o conheceram pessoalmente. Como uma criança dotada de energia do presente, cujo futuro não assusta. Não ficava quieto. Sempre agia, esperneava, incomodava na ação e pensamento. Isto é que reverbera do som desta boa conversa: cutuca a preguiça dos que não agem ou preferem ficar na superfície das análises do complexo caminho histórico do homem que produz a si. Aliava-se ao tempo, à depuração e à decantação da decisão política. Não personalizava e não monopolizava a análise que tão bem fazia. Ler um livro de memórias é uma experiência de captura. Minha formação está associada a assuntos que fascinaram Catullo Branco: beiradas de rios, eletricidade, esquerda, operários, inundações. Dedicou-se a investigar e posteriormente denunciar as causas do aumento da frequência de inundações na região da Grande São Paulo. Identificou pela política e através da avaliação técnica, amparada pela observação e cálculos, que os rios não deveriam ser arbitrariamente silenciados pela retificação de suas curvas e desaparecimento de suas corredeiras, face à presença insaciável do lucro de grandes corporações. Os rios silenciados gritam depois. No início do século XX o ouro era eletrificar a cidade, conduzir as linhas de bonde de acordo com os traçados que mais valorizassem as terras já mapeadas para serem valorizadas. Catullo Branco foi voz isolada dentro de seu partido na contraposição a projetos que prometiam o enigmático progresso. Catullo, caso acordasse neste momento e observasse o papel da engenharia e da política, o que diria? Creio que ensinaria o caminho mais difícil: dizer e fazer mais daquilo que viu e anteviu em seus momentos de dedicada atividade profissional voltada ao interesse público. Lights de outrora, outras nesta hora. Ao ler este livro de memórias fui à estante e terminei de ler um clássico dos romances utópicos socialistas: Noticias de lugar Nenhum, de Willian Morris. Me senti um pouco Catullo Branco, me senti engenheiro de lugar nenhum. Sou aluno de Catullo Branco, o engenheiro de tantos lugares, e tenho meus alunos, que estão lendo um código florestal agora danificado tanto quanto estão as florestas. Temos sim, que cair na conversa de Catullo. Francisco del Moral Hernandez - Engenheiro Elétrico. Professor de Engenharia Ambiental na UNESP, de Tecnologia em Gestão Ambiental na FATEC Jundiaí e de Engenharia Elétrica na Faculdade de Americana.