O livro. Com certa regularidade, uma simpática ex-operária da indústria têxtil é chamada para prestar depoimento ao major Aldu, da polícia secreta da Romênia, durante o regime totalitário de Nicolae Ceausescu (1918-1989), que governou o país entre 1974 e 1989. O trabalho do oficial é descobrir mulheres que traem a pátria. A jovem está sob suspeita desde que foram descobertos bilhetes enfiados nos bolsos das calças de ternos masculinos que ela costurou e que seriam enviados para a Itália. Nas mensagens, ela escreveu a frase case comigo, junto com seu endereço. São, na verdade, desesperados pedidos de socorro para que algum desconhecido se sensibilize e venha tirá-la do mundo de opressão em que vive. A convocação é sempre para o mesmo local e horário, às 10 horas da manhã. Quando isso ocorre, significa para a garota uma noite de tormento, com insônia e pesadelos. Mesmo assim, ela nunca chega atrasada. Ao contrário, às 7h30 está pronta para sair. Como a viagem dura aproximadamente 1h30, ela acaba perambulando nas proximidades do local onde deve se apresentar enquanto sua hora não chega. Desde que esse monitoramento sobre suas atividades começou a ocorrer, sua vida foi transformada num inferno. Acusada também de prostituição em local de trabalho, ela perde o emprego. Embora seja a narradora da história, não se sabe o nome da personagem. A partir desse enredo, a consagrada escritora romena-alemã Herta Müller desenvolve O Compromisso, seu primeiro romance traduzido para o português, lançado no Brasil pela Editora Globo. Herta faz uma espécie de retorno ao passado e das experiências pessoais para mostrar o mundo terrível de adversidades e humilhações que ela mesma viveu na Romênia comunista, um país tomado pelas trevas de um regime repressor, numa sociedade onde a oportunidade é limitada, a delação se tornou uma instituição extra-oficial e a confiança no próximo é uma raridade escassa tanto quanto um prato de comida decente ou um belo sapato feminino. Herta descreve uma nação habitada por cidadãos que, em boa parte, recorrem ao álcool para suportar uma rotina burocratizada, onde nada de interessante parece acontecer. A bebida faz passar o dia e a noite faz passar a bebedeira. Dos tempos em que eu ainda trabalhava na confecção, sei que os operários diziam: a engrenagem da máquina de costura se lubrifica pela rodinha e a engrenagem humana se lubrifica pela garganta. Em vez do álcool, entretanto, ela recorre às lembranças e aos sonhos que parecem se prolongar durante o dia. Não esquece o amigo Lilli, que tentara fugir para a Hungria, ou de seus avós, deportados depois de denunciados pelo primeiro marido. Nos interrogatórios, ela tem de passar pelo ritual de sentir o beijo molhado do repugnante militar na palma de sua mão. Desde que passei a deixar minha felicidade em casa, não fico mais paralisada como antes, na hora daquele beijo na mão. Dobro os dedos para cima, para que as juntas impeçam Albu de falar. Seu segundo marido, Paul, embora beberrão, é a única pessoa em quem confia. Ele se embriaga ininterruptamente não por desespero, mas por prazer, como diz repetidas vezes. Para ganhar a vida, vende antenas de televisão fabricadas ilegalmente no mercado negro. Tudo se transforma, no entanto, no dia em que, por distração, ela passa do ponto onde deveria descer e vai parar numa rua pouco conhecida. O que descobre, então, faz com que ela seja tomada por um grande temor sobre seu próximo depoimento.Vencedor do European Literature Prize, O Compromisso é uma história de esperança. A protagonista constrói um retrato ao mesmo tempo cruel e poético a partir da sensibilidade do olhar feminino sobre o mundo, a política, o poder, as pessoas e as relações afetivas. Amante da vida, sonha em ser feliz ao lado de Paul. O propósito da autora ao voltar a um tempo que não lhe deixou saudades parece ser o de oferecer ao leitor a visão deprimente da adaptação humana e da sobrevivência sob opressão. Tarefa que Herta executa com profundo humanismo e toques de poesia, num romance intenso e cheio de sutilezas.