Uma das graças que obtemos quando seguimos pelos caminhos de Santiago é a de ver o mundo com humor poético. A outra é a de olhar para o que não víamos, perceber o que não enxergávamos. Sempre um outro sentido nas coisas óbvias. Ele usa, com aparente displicência, o traço simples e cristalino, contornando de esclarecimento a realidade, e, depois de nos magnetizar com a sua clareza, ele nos surpreende com a ampliação de um detalhe onde se revela o Todo. Há um sorriso permanente em sua visão. Nada é gratuito. Há crítica e lucidez para que não nos percamos quando seguimos os seus caminhos. Ao final e ao cabo, quando chegamos na outra ponta, nos sentimos mais inteligentes, parece que enxergamos mais longe, ficamos mais perto da clarividência. São trinta anos de andanças por caminhos nunca dantes navegados, porque a cabeça do Santiago nunca passa pelo mesmo lugar do mesmo jeito. Sempre teremos uma nova versão da mesma coisa, como se a realidade fosse uma cebola ardendo os olhos à medida que nos aproximamos dela.