Embora haja uma produção acadêmica bastante vigorosa, em especial no âmbito da História e das Ciências Sociais, a respeito das ações do regime empresarial militar, enfatizando a repressão sobre as organizações de esquerda, movimento estudantil, mundo das artes e da cultura, são, ainda relativamente poucos os estudos sobre a experiência da classe trabalhadora no contexto da violência e repressão que se sucedeu ao golpe. Com a criação de um grupo de trabalho específico sobre a violência contra trabalhadores e outro para tratar de camponeses e indígenas no âmbito da Comissão Nacional da Verdade (CNV), ficou evidente a necessidade de pesquisas mais aprofundadas sobre os efeitos, diretos ou indiretos, da ditadura sobre o mundo do trabalho. O livro que o leitor tem em suas mãos é bem mais do que uma coletânea de depoimentos sobre a violência exercida contra camadas de camponeses, assalariados rurais, pequenos comerciantes e artesãos que vivem, ou viveram, no mundo rural do atual estado do Rio de Janeiro. Bastava que fosse apenas isto, feito com dedicação e seriedade por cientistas sociais convencidos de que a escuta dos mais frágeis e desprovidos de recursos materiais, e de meios de intervir nos debates públicos, em universo profundamente marcado pela escravidão em larga escala, para que preenchesse uma lacuna importante de nossa bibliografia; se quisermos dimensionar a dificuldade de incorporar a totalidade de indivíduos e famílias em deliberações livres e coletivas, de democracia digna desse nome, é via incontornável. A arbitrariedade imposta pela coerção física e material, quando descrita em detalhes, impele o leitor a se questionar sobre o mundo absurdo em que vive.