Numa afirmação famosa, Tolstoi declarou que era preciso ser local para ser universal: não apenas porque assim o escritor escreveria sobre o que mais conhece, mas também porque, paradoxalmente, ao se aprofundar no local, acabaria por dar a ver, sob as particularidades locais, o que existe de mais profundamente humano. Mas como fazer isso quando a vida local está sob circunstâncias extremas e extremamente incomuns? Foi esse o ponto de partida do consagrado escritor colombiano Evelio Rosero ao escrever Os exércitos (192 pp.), romance que tem por contexto a "guerra degradada" colombiana. O êxito da empreitada foi não somente reconhecido como explicitado pela crítica internacional: o livro "lamenta a tragédia do povo colombiano e também celebra as universais e sempre frágeis virtudes da vida cotidiana, falando de acontecimentos terríveis com uma precisão e uma humanidade que ganham o afeto e o respeito do leitor" (Boyd Tonkin, The Independent). Daí ter recebido o Foreign Fiction Prize, do mesmo The Independent, para obras traduzidas para o inglês, entrando para um clube do qual fazem parte, entre outros, Orhan Pamuk, Milan Kundera e José Saramago. Se García Márquez foi devidamente tolstoiano ao se apoiar na própria visão de mundo da cultura popular colombiana, influenciada mais pelo misticismo indígena, africano e católico do que pelo cartesianismo de suas elites de origem europeia, o que o levou à exploração radical do "realismo mágico" em Cem anos de solidão, posteriormente, não somente a guerra, com a racionalidade instrumental de sua irracionalidade essencial, mudou a Colômbia, como as informações mundializadas tornaram certos aspectos da vida colombiana mais próximos e bem menos "exóticos". Daí a nova ficção colombiana hoje optar pelo realismo: o poderoso e profundo realismo da ficção. O enredo de Os exércitos é, numa palavra, avassalador: um casal aposentado vive o cotidiano tranquilo e modesto de uma pequena vila interiorana (cuja emoção maior é a observação mais atenta do que o conveniente da vizinha por seu membro masculino), até que, repentinamente, e num crescendo incontrolável, tudo vai sendo submergido na "degradada" e degradante guerra colombiana, que chega, porém, não como um terremoto, mas como uma lenta e inexorável subida da maré, a cada dia mudando tudo um pouco mais, e um pouco mais terrivelmente. Na verdade, as coisas começam a mudar não por uma presença, mas por uma ausência: a de algumas pessoas, que desaparecem. Esta ausência é "compensada" pelo surgimento de homens armados, para levar embora os vizinhos do casal, ao que se segue mais uma desaparição, a da mulher do narrador, que parece ter saído à sua procura quando ele retorna de um passeio. A presença dos homens armados então se intensifica, bem como o êxodo dos moradores, acabando por desfazer da maneira mais radical e inimaginável uma vida que parecia destinada a ser a conhecida, habitual e segura repetição cotidiana de si mesma. Escrito com "singular elegância e maestria não isentas de dramaticidade", nas palavras de justificativa do Prêmio Tusquets 2006, Os exércitos, traduzido inúmeras vezes, calou fundo na crítica internacional. Afinal, em tempos de guerras de "baixa intensidade" e alta disseminação, ameaças terroristas e crise ambiental global, com seus terremotos, furacões e tsunamis, cada cidade e cada bairro do mundo, em sua vida cotidiana e aparentemente segura, tem algo de uma pequena vila colombiana involuntariamente à espera de ser subitamente engolfada por forças incontroláveis, frente às quais as qualidades humanas mais profundas serão a única esperança, se houver alguma.