Como se conhecem as pessoas? Como se dão a conhecer? Entre os jovens, a amizade se constitui pela semelhança de valores, que gera um convívio pela unidade de sentimento. Naqueles idos dos anos 1960, em plena ditadura militar, o modo de ver com altruísmo, o chamamento de uma moral comum, era o que aproximava aqueles jovens e estabelecia a confiança mútua. Muitos então se encontraram, aprofundaram os seus laços através de um sentimento primeiro, logo de uma organização como ume, precocemente tornados resistentes, se lançaram à luta. Wilson foi um entre muitos que encontrei naquela época e os nossos destinos caminharam para um desfecho comum. Corria o ano de 1967, quando a Corrente Comunista de São Paulo e, posteriormente, Ação Libertadora Nacional ALN. A luta revolucionária nos levara a todos a uma vida dupla. Recordo-me que ele era um dos homens de confiança de Toledo (Joaquim Câmara Ferreira). Trabalhada em publicidade, dava aulas em duas faculdades e em dois cursinhos preparatórios para o vestibular, além de estará sempre dedicado à formação dos militantes. Mas, de tempos em tempos, desaparecia às vezes na companhia do Washington, velho militante comunista que sempre se dedicou ao trabalho na área rural, organizando os camponeses e assalariado agrícola. Em 1968, nos aproximamos mais e às vezes comentávamos as dificuldades da luta em que estávamos envolvidos, através de metáforas e parábolas, tudo sem sujeito e objeto. Sim, na ditadura era preciso conversar assim, de um modo preciso e vago, com as certezas implicadas pelo conhecimento das nuvens, ali um cirrus, aqui um stratus. Caminhávamos céleres para um desfecho, trágico ou vitorioso, ou um pouco de cada um. A vitória veio pelo nosso sacrifício, inexorável e total, com a democracia restaurada dezoito anos depois. A tragédia, inscrita nas perda de milhares de companheiros, as torturas nas prisões, anos de cárcere e de exílio. Das faculdade e dos cursinhos que frequentávamos, para as batalhas rápidas e encarniçadas das guerrilhas urbanas e dali para a perdição em um outro mundo. Reencontramos-nos na Base do Galeão, num galpão sob um sol abrasador de janeiro de 1971, estávamos de partida no ultimo comboio da liberdade, a troca do embaixador suíço sequestrado por setenta prisioneiros políticos. De lá nós fomos para o Chile de Salvador Allende. Sempre nos demos bem, sempre tivemos objetivos comuns e, embora cada qual escolhesse o seu caminho, fabricando-o sob os próprios pés, jamais tivemos entre nós uma desconfiança ou uma palavra de censura. Fomos por ai, pelo mundo afora, com o desprendimento da velha crença bolchevique de que os não têm importância alguma, suas tarefas sim. Desse modo, como discípulo de Lenin, Stalin, Giao e Mao Tse-tung atua diuturnamente e com coerência, como intelectual e militante proletário. E, como as pedras rolantes de novo se encontram, fazemos compor hoje em conjunto esta balada de Outono. Aí vai para sua leitura algo da experiência acumulada de um camarada de um camarada, disfarçada aqui e ali de ficção. Ficção? Quak nada, rodar quotidiano que o quotidiano supera qualquer ficção