Abrindo-se sobre o caso Galileu e, mais amplamente, sobre o grande fermentar do século das luzes, este volume da História da Igreja estuda os grandes abalos que atingiram a Igreja nos séculos XVII e XVIII. É, em primeiro lugar, essa revolta da razão que, na França, foi promovida pelos panfletistas que chamaram a si o nome de filósofos: o rei Voltaire, Diderot com a sua Enciclopédia, Helvétius e tantos outros. Na Inglaterra, os deístas, que pretendem dissolver o cristianismo na religião natural; na Alemanha, o movimento da Aufklärung, que preparará o protestantismo liberal e a morte de Deus em quase todas as Igrejas da Reforma, ameaçando arrastar consigo parte da teologia católica. Mas há também, menos popular mas mais perigoso, o ataque dos racionais que, na esteira de Descartes, minarão as próprias bases da fé: Spinoza, o bem-intencionado Malebranche, Kant. E o pensamento imaturo e sentimental de Jean-Jacques Rousseau, que levará às desastrosas tentativas futuras de reforma radical da sociedade, da Revolução Francesa aos totalitarismos marxistas e maoístas. Interessante é notar como as duas linhas em conjunto acabariam por promover, no século XX, o desencanto completo com a razão e o surto da falsa religiosidade das seitas e dos esoterismos, centrada na emoção irracional. No plano político, o fortalecimento e o endurecimento do bloco protestante, acompanhado do surgimento de uma nova potência protestante, os Estados Unidos, acaba redundando também no enfraquecimento do catolicismo. E os déspotas esclarecidos que não deixam de se manifestar igualmente nos países católicos, com Pombal e Aranda na Península Ibérica e José II na Áustria, renovarão as velhas tentativas por sujeitar a Igreja ao Estado nas suas diferentes nações e se porão de acordo para forçar o Papado a esse erro capital que foi a supressão da Companhia de Jesus. No conjunto, o panorama é entristecedor. O esforço missionário no Oriente e na África recua e parece destinado ao fracasso; as Igrejas nacionais dão sinais de se terem fossilizado na sua simbiose com os poderes políticos; os Estados cristãos parecem ter optado decididamente pelo cinismo; e o próprio Papado não se mostra à altura desses desafios, embora tenha contado geralmente com papas irrepreensíveis quanto à conduta e à doutrina. Mas por todas as partes se vêem germinar as sementes do futuro: na renovação dos estudos bíblicos e hagiográficos, na apologética, na renovação da piedade popular promovida pelos santos. Assim, quando as terríveis crises revolucionárias do século XIX atingirem a Igreja e ameaçarem fazer ruir esse velho edifício aparentemente tão cheio de rachaduras, só conseguirão arrancar-lhe a casca das alianças humanas, fazendo ressurgir, intacto e renovado, o seu núcleo divino e imperecível.