As lanças do crepúsculo, de Philippe Descola, é uma obra que se inscreve na tradição francesa dos relatos de viagem ou, mais especificamente, dos relatos de pesquisa de campo antropológica. Ao lado de obras como, por exemplo, Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss, e Crônica dos índios Guayaki, de Pierre Clastres, este livro, lançado originalmente em 1993, foi publicado pela coleção Terre Humaine (Editora Plon, Paris), que reúne textos de teor literário versando sobre diferentes experiências de "campo", abrangendo os mais diferentes lugares do mundo. Descola demorou pouco mais de dezesseis anos para começar a escrever este relato sobre sua estada de dois anos - entre 1976 e 1978 - entre os índios Achuar da Amazônia equatoriana. Em 1986, no entanto, ele publicou sua tese de doutorado em antropologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, La nature domestique (Éditions de la Maison des Sciences de l'Homme), totalmente debruçada sobre os dados colhidos entre os Achuar. Se na tese temos um trabalho acadêmico-científico de fôlego, que avança num debate teórico específico sobre a relação entre natureza e sociedade numa população indígena, em As lanças do crepúsculo, passamos a um relato subjetivo, que descreve a experiência do autor entre os Achuar, misturando a observação etnográfica - que transita do cotidiano ao extraordinário - com digressões sobre temas antropológicos e filosóficos variados, sempre sob um tom literário capaz de transformar situações vividas em enredos que prendem a atenção do leitor. As lanças do crepúsculo é, por isso, um livro escrito não apenas para antropólogos, mas sobretudo para um público mais amplo, interessado na experiência de um antropólogo com uma população indígena da floresta amazônica. O livro de Philippe Descola pode, em suma, ser apreciado por, no mínimo, três razões. A primeira reside no fato de ele fornecer uma ótima introdução à etnologia indígena, ao acompanhar passo a passo os percursos de uma pesquisa com um povo da floresta amazônica. Adentramos o seu universo por meio de descrições minuciosas de aspectos da vida cotidiana, do ritual, do xamanismo, das relações intercomunitárias e da guerra. A segunda razão consiste no valor literário do texto: não se trata apenas de uma descrição etnográfica, mas da reconstituição da memória de uma experiência: o autor reconstrói os fatos vividos a partir de suas impressões mais subjetivas. Descola compõe cenas admiráveis. A terceira razão diz respeito às digressões de cunho antropológico e filosófico que abundam no texto. Provido de um ensaísmo bem apurado, o autor toma a liberdade de dissertar sobre temas variados, como o estatuto dos sonhos, a relação entre homens e mulheres, a natureza do poder político, a conexão entre pessoas e coisas