Qual a curiosidade do leitor brasileiro deste século XXI diante de uma matéria histórico-literária da França do século XVII? Nessa época, o Brasil, em síntese, nem existia como tal, era floresta (pau-brasil...), havia alguns portugueses no litoral, uns piratas e os indígenas começando a sofrer seu extermínio. Entretanto, a França do XVII conhecia um extraordinário embate e progresso nas discussões sobre problemas linguísticos, literários e artísticos (entre outros) e as soluções e dilemas então encontrados repercutiram em todo o Ocidente e seus ecos chegaram ao Brasil nos séculos seguintes e, a rigor, em parte, perduram até hoje. O conjunto desses debates acabou por ficar conhecido como a querela entre Antigos e Modernos. O enunciado dos grandes temas e assuntos debatidos, de diferentes pontos de vista e diversos enfoques - grosso modo, alinhando as posições entre defensores dos modelos da Antiguidade greco-romana e os favoráveis à modernização e diferenciação - é suficiente para evidenciar uma atualidade que, modificada embora, permanece. Assim, não está superada, definitivamente, a questão da diferença entre invenção e verdade, ou entre ficção e história. Bem como o poder exercido por um idioma nos aspectos estéticos e políticos (basta ver hoje em dia a influência norte-americana no mundo, sua língua, seus costumes e sua política). E outros assuntos e temas mui vivos: as formas e os gêneros literários, o teatro como representação, moralidade e peso civilizatório. E o que se pode apresentar em cena? Os corpos humanos supliciados e dilacerados nas guerras e nos combates urbanos? Pode-se, hoje em dia, e como, representar o consumo das drogas pesadas? Há e haverá censura e proibição? Havia ainda debate sobre como representar o rei, a nobreza, o povo e a mulher com autonomia. E hoje, como representar os poderosos do dia? E, ainda, qual a natureza da imagem? Literatura e pintura expressam imagens com o mesmo estatuto? Discutem-se ainda o sério e o cômico, a sátira e o encômio, a atualidade do romance nascente, aquele romanção de aventuras (tipo folhetim, posterior), em 10 ou 15 volumes ou o romance curto, intimista (A princesa de Clèves) e a exposição social ampla da intimidade do sujeito feminino (as cartas de Madame de Sévigné). Este livro, exemplar e de alta formação, de Leila de Aguiar Costa, com seus onze capítulos e um Florilégio, especifica essas questões enumeradas e outras, contribuindo de modo decisivo para a atualidade do conhecimento histórico e literário do público letrado brasileiro. Trata-se de uma atualidade surpreendente e construtiva . " Valentim Facioli "