... na ficção de Howard Phillips Lovecraft, apenas coisas inverossímeis acontecem, sem nenhuma referência à trivialidade da vida cotidiana. Nada é por acaso, e tudo o que consta nas suas páginas evoca um sentido ominoso trata-se do Mal, do Pior e do Terrível, confrontando magistralmente o leitor com uma experiência de terror cósmico que perturbará seus sonhos para todo o sempre... Nenhum autor contemporâneo ou antigo explorou com tanta vivacidade imaginativa os meandros tenebrosos do incompreensível, do inominável, o lado obscuro da existência e da mente humana como Lovecraft. Julgado por muitos o herdeiro literário da face macabra e fantástica de Poe, Lovecraft extraiu das profundezas de sua imaginação um universo de seres humanos e extra-humanos, de mundos pavorosos, de criaturas misteriosas e hediondas que vêm assombrando gerações de leitores neste século. Em A maldição de Sarnath, como em outras obras, Lovecraft foge das idealizações do Bem e do Mal, mergulhando seus personagens num mundo de sombras, de sonhos, de pesadelos, para construir uma arquitetura maravilhosa e assustadora de seres que, ao desafiar sua condição mortal, lançam-se a viagens e aventuras à procura do autoconhecimento, da imortalidade, do poder divino, encontrando, muitas vezes, a própria destruição. É num passado mítico e num tempo indefinido que ele vai instalar boa parte dos cenários e tramas de sua criação. Realidade, sonho e imaginação se confundem e combinam, produzindo acima de deuses terrestres previsíveis, adorados e temidos, outros deuses ainda mais poderosos e aterrorizantes; cria mundos sombrios e subterrâneos que coexistem com a enganosa tranquilidade dos luminosos mundos da superfície; confronta a presunção da inteligência humana com o desconhecido, com o terror ao desconhecido e com a miséria de sua íntima fraqueza e ignorância. O autor ora bebe na fonte da antiguidade grega, ora no passado histórico e lendário do antigo Egito, ora no passado mais recente de sua terra natal, a Nova Inglaterra nos Estados Unidos, palco da caça às bruxas no século XVII, cujos ecos ressoam em toda a sua obra. Ler Lovecraft é abrir uma janela para esse mundo assustador, mas ao mesmo tempo instigante e sedutor. Traduzir em linguagem e emoção as criações mais estranhas, mais aberrantes e simbólicas da imaginação ocidental é o resultado literário de um dos artistas mais curiosos do século XX.