Os acidentes de trabalho são o resultado do modo como a so­ciedade produz as condições de sua própria existência e tor­nam-se objetos sociais através de construções teórico-práticas que tentam dar conta de sua causalidade e prevenção. Nesse segundo processo, não é incomum encontrar concepções ba­seadas em fatores pessoais ou psicológicos, que retratam os trabalhadores como responsáveis por seus acidentes. Considerando as consequências para as políticas de saúde, as ações preventivas e de reivindicação, a presença dessas con­cepções nos discursos em circulação e nas práticas discursivas de trabalhadores foi investigada por meio da análise de documentos públicos e de um estudo de caso em uma empresa metalúrgica, com base em observações, conversas informais, levantamentos de documentos e entrevistas confrontativas semiestruturadas, na tentativa de identificar repertórios inter­pretativos e suas características retóricas e argumentativas. A presença generalizada de uma versão da Teoria dos Dominós de Heinrich foi verificada nos padrões compartilhados de entendimento e na predominância de explicações baseadas na noção de atos inseguros, manifestações sustentadas pela naturalização dos riscos e por práticas institucionalizadas de difusão. No entanto, a construção discursiva dos acidentes acontece de maneira dilemática, existindo contradições entre os diferentes repertórios interpretativos e a presença de even­tos desnaturalizadores que produzem rupturas semânticas e manifestações de resistência, o que aponta para a possibilidade de construção de discursos contra-hegemônicos.