Bruna, em seu livro de estreia, Poetiquase, assume no poema Catarse da Sobrevivência a máxima poundiana do artista como antena da raça. De modo que trazer a materialidade do "corpo" neste seu segundo livro, com a sexualidade nomeada, vai além de uma atitude que revisita temáticas consideradas "malditas". É antes um posicionamento, pela via da poesia, que capta questões emergentes e ainda cercadas por interditos. A poeta provoca e conduz o leitor por uma semântica explícita, mas o faz trazendo a experiência física do corpo como força atuante no organismo da escrita. A própria poesia é o anticorpo, que escapa das convenções e encara o que se apresenta, muitas vezes, como algo incômodo. Tratando de temas como gozo, menstruação, masturbação, desejo, fetiche e sexo explícito, a poesia de Bruna constrói o espaço de um corpus poético específico, costurando o limiar entre o erótico e o obsceno, o feminino e o masculino, ao mesmo tempo em que se confirma como resistência à opressão. E nesse movimento, a poeta tira tudo: a segunda pele. Grilhões. Para ela, um corpo/ se escreve/ por debaixo/ da pele. A poesia direta de Bruna entrega um texto sem véus, consonante com o olhar do presente, de um mundo que se despedaça e cujos fragmentos remontam o corpo desnudado, nas duas partes que compõem o livro, cindido da "cintura para cima" e da "cintura para baixo". Nos tempos obscuros em que vivemos, podemos atualizar a afirmativa de Henry Miller: "falar de obscenidade é quase tão difícil quanto falar de Deus". Mas, afinal, "o que é obsceno?" Essa questão, na voz de Hilda Hilst (forte influência na poética de Bruna) se coloca em termos amplos: "obsceno é a miséria, a fome, a crueldade, nossa época é obscena". Paralelo inequívoco com o nosso tempo, ANTICORPO transita por uma imagética forte, com poemas que rasgam camisas de força. A linguagem de Bruna não é dócil, nem rasteira. Um corpo que se move na contemporaneidade e se reafirma pela linguagem poética. THAIS GUIMARÃES