Três diferentes desafios caracterizam o trabalho de Fernando Marques em Zé, e todos os três nos convidam a olhar com redobrada atenção a releitura por ele feita do texto original de Woyzeck, de Büchner: o de trazer a peça ao palco brasileiro contemporâneo com todo seu tenso e angustiado vigor, o de retrabalhar o texto através de palavra recitada ou cantada, da métrica e da rima, e o de procurar na criação poética de Woyzeck a contraface prática de um projeto abraçado também na esfera teórica, através da pesquisa de doutorado sobre o teatro musical. Em Zé a adaptação enxuga a expressão para ressaltar a densidade da matéria dramatúrgica. Na consciência aguda e poderosa de sua condição de proletário, Zé é ao mesmo tempo um e muitos, e suas falas incisivas contrastam com a verbosidade do Capitão e do Médico aos quais serve. O mundo social por eles apresentado reproduz a condição anônima de tantos como Zé. Entre um e outro, Zé torna-se uma sílaba, crua e cortante. Zé vem a ser o nome dos que não têm nome.